Apps de Rastreamento de Contactos: será que garantem a sua privacidade?
O tempo da Covid-19 é bastante diferente do da Peste Negra (séc. XIV) ou da Gripe Espanhola (séc. XX), quando as ferramentas tecnológicas ainda não estavam suficientemente evoluídas para ajudar a combater as pandemias.
Vivemos no tempo da informação, da Internet e do Big Data. Por isso, várias medidas de combate à pandemia têm se focado na utilização de ferramentas digitais que permitem determinar: quantas pessoas estão infetadas; onde foram infetadas; quem terão infetado; e que consigam prever a evolução da pandemia.
Devido ao seu potencial para responder a estas questões, as Apps de Rastreamento de Contactos têm tido um papel fundamental durante esta crise de saúde pública. Porém, a sua adoção está longe de ser consensual, dado ao seu potencial para responder não apenas às perguntas anteriores, mas também a muitas outras cujo interesse não implica o combate à pandemia.
Estas novas apps são o produto de parcerias de empresas de tecnologia, universidades, clínicas e autoridades públicas, que são responsáveis pelo seu financiamento, desenvolvimento e implementação.
Algumas Apps de Ratreamento de Contactos:
TraceTogether: Utilizando Bluetooth, esta aplicação, desenvolvida pela Agência Governamental de Tecnologia de Singapura, rastreia indivíduos que tenham sido expostos ao vírus. A app alerta os indivíduos que tenham tido contacto com alguém infetado com o novo coronavírus, ou que esteja em alto risco de ser portador do vírus. Quando um indivíduo é confirmado ou suspeito de estar infetado, pode optar por permitir que os hospitais, o Ministério da Saúde e terceiros tenham acesso aos dados da aplicação para ajudar a identificar contactos próximos.
App de rastreamento da Coreia do Sul: A aplicação de Segurança de auto-quarantena é utilizada pelas autoridades públicas coreanas para fornecer informações sobre a Covid-19, incluindo diretrizes de quarentena, e para prevenir eventuais violações das ordens de confinamento. A aplicação também pode ser utilizada para comunicação voluntária às autoridades de saúde. Os dados recolhidos não são partilhados com terceiros.
C-19 COVID Symptom Tracker: O objetivo desta aplicação, desenvolvida no Reino Unido, é retardar o surto de Covid-19, ajudando os investigadores a identificar: a rapidez da propagação do vírus em diferentes áreas; as áreas de alto risco no Reino Unido; e quem está em maior risco, através de uma melhor compreensão dos sintomas ligados às condições de saúde subjacentes. Os dados do estudo podem revelar informações essenciais sobre a evolução da infeção em diferentes pessoas e ajudar a compreender por que razão alguns indivíduos desenvolvem sintomas mais graves ou mortais, enquanto outros apenas apresentam sintomas ligeiros.
A questão da privacidade e proteção de dados
A utilização Apps de Rastreamento de Contactos pode permitir a partilha de dados, integrando a proteção da privacidade e o consentimento explícito e informado dos utilizadores para a recolha e partilha das suas informações pessoais. Por exemplo, a aplicação TraceTogether de Singapura tem uma série de salvaguardas de privacidade, incluindo o facto de não recolher ou utilizar dados de geolocalização e de os registos de dados serem armazenados de forma encriptada.
Privacy-by-design pode ajudar a lidar com os riscos
Privacy-by-design procura proporcionar o máximo grau de privacidade, assegurando que a proteção dos dados pessoais seja incorporada no sistema, por exemplo, envolvendo a utilização de dados agregados, anónimos ou pseudónimos para proporcionar uma proteção adicional da privacidade, ou a eliminação de dados uma vez cumprida a sua finalidade.
Por exemplo, a aplicação Covid-19 desenvolvida pelo Instituto Norueguês de Saúde Pública foi concebida para armazenar dados de localização apenas durante 30 dias. A utilização de soluções adicionais de reforço da privacidade pode proporcionar maior segurança.
Em várias destas apps de rastreamento, a tecnologia Bluetooth é utilizada, porque, ao contrário do GPS e Wi-Fi, apenas deteta que dispositivos estiveram ao pé uns dos outros, em vez de registarem a localização.
Garantir a proteção de dados
As tecnologias digitais fornecem ferramentas poderosas aos governos na sua luta para controlar a pandemia da Covid-19, mas as suas implicações em termos de privacidade e proteção de dados devem ser reconhecidas. As aplicações de rastreio de contactos devem ser implementadas com total transparência!
É necessário considerar:
- A base jurídica da utilização destas tecnologias, que varia em função do tipo de dados recolhidos (por exemplo, pessoais, sensíveis, pseudónimos, anónimos, agregados, estruturados ou não estruturados).
- Se a utilização destas tecnologias e a subsequente recolha de dados é adequada e considerar a forma como os dados são armazenados, tratados, partilhados e com quem, incluindo quais os protocolos de segurança e privacidade implementados.
- A qualidade dos dados recolhidos e se são adequados ao fim a que se destinam.
- Se o público está bem informado e se as abordagens adotadas são implementadas com total transparência e responsabilidade.
- O prazo durante o qual as tecnologias mais invasivas que recolhem dados pessoais podem ser utilizadas para combater a crise. Os dados devem ser conservados apenas durante o tempo necessário para servir o objetivo específico para o qual foram recolhidos.
Se a discussão sobre o rastreamento digital existe, é por uma razão simples: desde que estas apps forem utilizadas por uma fração significativa da população, o rastreamento digital pode funcionar. A questão deve então ser esta: é possível ter um rastreamento digital eficaz que não comprometa a privacidade dos cidadãos, nem as diretrizes do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados?
O rastreamento teria de ser temporário, voluntário e descentralizado; teria ainda que garantir o processamento dos dados de forma anónima e apenas permitir a partilha pública de dados agregados.